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Criação coletiva foi o destaque do Eixo Fogo, primeira etapa cumprida pelo projeto Miradas de Afeto

Atualizado: 4 de mar. de 2021



Engana-se quem acha que o resultado da Etapa Fogo do Miradas de Afeto, realizada entre 15 e 20 de fevereiro, resumiu-se à produção de belos murais nas cidades de Chapada do Norte, Berilo e Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha. Sim, as fachadas, paredes, muros e murões ganharam um colorido especial e único, pois passaram a representar a diversidade cultural da região.


Mas nada disso teria significado se não fosse a participação coletiva de transeuntes, artistas locais, artesãos, comunidades, voluntários e parceiros do projeto. Deste encontro de experiências e identidades surgiu uma obra coletiva, que mudou paisagens e vidas. “A arte não é só a obra. A grande obra foi a sua construção e seu desfecho a partir de novos ingredientes que entraram em cena trazidos pelo coletivo”, definiu Anna Göbel, que liderou as atividades nas três cidades.


O conceito de obra aberta sobressaiu ao longo da jornada. Em Chapada do Norte, Anna e a equipe foram abordados por moradores que queriam colaborar na pintura da fachada do Mercado Municipal, tradicional ponto de comércio e festividades local. Outros moradores pediram que os murais retratassem o transporte de carga em cavalos e a figura de um garimpeiro.


“Era o que queríamos, os moradores trazendo elementos da identidade regional como contribuição ao mural. Um senhor quis me mostrar um pote de cerâmica antigo e ficamos conversando bastante”, lembra Anna. Os artistas locais Marcone Evangelista e Otaviano Lourenço participaram de todas as etapas de produção do mural. Vários funcionários da Prefeitura da cidade, parceira do projeto, também se envolveram no processo.


Já em Berilo, o contato com o público foi diferente. O muro de mais de 100 metros de comprimento cedido pela Prefeitura –apoiadora do projeto - fica localizado na principal avenida da cidade, por onde circula intenso tráfego de veículos. Durante os três dias de trabalho, interrompidos por chuvas intermitentes, várias contribuições vieram dos motoristas. Um deles pediu para que o mural reproduzisse um apelo ambiental que aflige a comunidade: a importância de recuperar o Rio Araçuaí, cujas águas caudalosas já abasteceram a comunidade.


Dois artistas locais, José Afonso e Letícia, participaram das atividades e ajudaram a estampar histórias da tradição agrícola da região, como as culturas do café, da cana de açúcar, da mandioca, do milho, do feijão e do abacaxi, e uma homenagem ao líder popular e mestre tamborzeiro Alê do Rosário, uma referência do congado na região.


Ao contrário das cidades anteriores, a tela a ser preenchida em Araçuaí estava nas paredes internas da pequena sede do grupo Tamborzeiros do Rosário da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos de Araçuaí, em uma casa anexa à Igreja do mesmo nome. Anna e dois jovens artistas locais, Paulinho e Keké, retrataram a vibração do congado, a força da religiosidade brasileira e o sincretismo cultural, que produziu, ao longo de nossa história, cores, ritmos e ritos próprios. “A casa foi construída através de mutirão. Quando soubemos disso, resolvemos contribuir com este esforço coletivo por meio das intervenções nas paredes. Ficamos muito satisfeitos em poder valorizar uma das manifestações culturais mais tradicionais da região”, avalia o fotógrafo Lori Figueiró, do Centro de Cultura Memorial do Vale, parceiro do Miradas de Afeto nesta etapa.


Lori foi o responsável por apresentar ao projeto toda a diversidade das manifestações culturais do Vale do Jequitinhonha, compostas por atividades seculares voltadas à subsistência, como o artesanato, a agropecuária e as manufaturas em geral, e por relações sociais pautadas pela religiosidade.


Há mais de dez anos, o fotógrafo desenvolve projetos para valorizar este universo através de sua lente. Seu olhar etnográfico descortina o cotidiano das comunidades. Não por acaso, os primeiros esboços de Anna Göbbel para a produção dos murais vieram de atividades, locais e personagens que habitam as páginas de diversos livros do fotógrafo.


Durante a semana de realização do projeto, Lori levou a equipe do Miradas para visitar comunidades quilombolas, artesãos, tamborzeiros, congadeiras, construções urbanas históricas e paisagens rurais que preenchem o cenário cultural da região. Toda essa experiência humana também foi transportada para os murais.


Há 2.500 anos, o filósofo pré-socrático Heráclito afirmou que ninguém se banha duas vezes no mesmo rio, pois na segunda vez nem o rio e nem quem o atravessou são os mesmos. É assim que o Miradas de Afeto sai desta etapa. A dialética da arte reside na transformação de todos os envolvidos no processo criativo, cuja obra final é uma correnteza que se renova a cada olhar.

 

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Estamos trabalhando em todo o material capturado neste eixo e em breve disponibilizaremos as fotos e vídeos oficiais desta etapa!

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